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Eis que chegou 2020! No alto de janeiro que, no revezamento natural e cíclico dos meses, está quase passando o bastão para fevereiro. Época de Verão e de festividades da cultura popular no Brasil, como o Carnaval que, desta vez, será februário - palavra esta derivada do nome latim "Fébruo", o deus da morte e da purificação na mitologia etrusca.
Essas manifestações festivas são dotadas de significativa diversidade país afora. Em Pernambuco, por exemplo, há o Maracatu Rural, o Frevo, o Caboclinhos e a Noite dos Tambores Silenciosos. Na Bahia, os trios elétricos. E, no Rio de Janeiro, São Paulo e em outros estados, os tradicionais desfiles de escolas de samba.
O meu conhecimento do folclore e da cultura popular nacionais não se equipara à altura do trabalho realizado pelo pesquisador potiguar Luís da Câmara Cascudo (1898-1986). Ou seja, não sou conhecedora contumaz da cultura brasileira. Mas, inegavelmente, tais profusões criativas atravessam-se. Dessa maneira, procuro problematizar e vivenciar o universo do Brasil em termos do nível local a que me compete. Afinal, cantando a minha aldeia poderei chegar ao mundo!
Num eco que reflete aqui de volta, à Santa Maria, Rio Grande do Sul. Embora o município não celebre há cinco anos o Carnaval de rua, com os desfiles de escolas de samba, o tempo não para. E alternativas de manifestações somam-se e resistem a cada ano, tais como os blocos pelas vizinhanças, praças e logradouros. Isto, de forma alguma, substituirá o evento que acontecia na Avenida Liberdade. Mas, em si, expressa o quanto o espírito carnavalesco e outras reverberações artísticas, culturais e filosóficas sempre existirão, em condições favoráveis ou não.
A despeito do que o ex-Secretário Especial da Cultura do Brasil, Roberto Alvim, afirmou há alguns dias (quando ainda ocupava o cargo), a cultura e a arte não estão à espera de um futuro para ter uma virada heróica e nacional. Pois elas não deixaram de acontecer.
Os e as artistas vivem na pulsação de seu tempo e constroem processos criativos que dialogam, perguntam e respondem à história do presente. O envolvimento emocional, a sensibilidade, a capacidade intelectual e a interatividade prometidas por Alvim já existiam antes mesmo do ex-secretário ter nascido. E hoje, apesar de uma série de imposições políticas, como a extinção do Ministério da Cultura e outras instituições, além da ameaça do fim de tantas outras, como a Agência Nacional do Cinema (Ancine), o ritmo do samba continua. Seja numa melodia "Bocca chiusa" ou a plenos pulmões.
Há muito que a civilização brasileira existe, embora haja gente que acredita estar inventando a história da América. E existe não à imagem do discurso nazista do alemão Joseph Goebbels (1897-1945), citado em partes por Roberto Alvim. É necessário - mais do que impor diretrizes descabidas - ver, ouvir, conhecer e pensar a arte e a cultura de forma pragmática e condizente com a diversidade, os desafios e os potenciais que o país tem, sem favorecer determinada filosofia religiosa ou indivíduos e grupos que se utilizam da política como arena para suas contendas pessoais e ostentação de convicções delirantes e infantis.
Se a arte e a cultura tiverem que renascer em 2020, como messianicamente prometeu Alvim, que seja rumo à libertação dos discursos e das ações que violam, dilaceram e destroem o que aqui existe e o que está em gestação. Um parto que sairá da ignorância. A abertura de olhos e ouvidos para a lucidez. Ou, como bem representa Fébruo, a purificação, para além da morte do mundo.
Que o Carnaval que se avizinha no próximo mês traga os rumores das ruas, das pessoas, dos encontros, da vitalidade. E aqui fica o convite, para apreciar o cenário e as atividades de Santa Maria, mesmo que as condições pudessem ser outras. É preciso debruçar-se sobre esta terra. Citando o compositor brasileiro Chico Buarque de Hollanda (1944), espero que a tristeza vá embora e que eu possa dizer que tudo "vai passar", fazendo cada paralelepípedo de Santa Maria arrepiar, onde sambaram nossos ancestrais. Vai passar. Vai passar. Vai passar...